REAJUSTE ANUAL DOS PLANOS DE SAÚDE COLETIVOS POR ADESÃO.
É de conhecimento geral a enxurrada de ações judiciais propostas por consumidores em face das operadoras de planos de saúde em virtude dos reajustes anuais ou por faixa etária aplicados às mensalidades que, por vezes, são abusivos e tornam a manutenção dos contratos inviáveis ao consumidor que não tem capacidade financeira de arcar com os altos valores cobrados. Em um país em que não se pode confiar no sistema público de saúde, os consumidores ficam exasperados e tentam a revisão dos valores pela via judicial, o que vem sendo comumente deferido.
A questão é complexa, passa pela análise de diversos fatores econômicos, jurídicos e políticos, e possui particularidades a depender do tipo de contrato em discussão. Nestas breves linhas, que trazem apenas o atual entendimento que vem sendo aplicado majoritariamente em diversas Cortes estaduais do país, em especial as baianas[1], trataremos apenas dos reajustes anuais dos planos de saúde coletivos por adesão.
Os planos de saúde privados podem ser contratados por três regimes diferentes, conforme o art. 16, VII, da Lei 9.665/98: planos individuais ou familiares, planos coletivos empresariais e planos coletivos por adesão. Estes últimos, objeto desta análise, são aqueles contratados por uma pessoa jurídica de cunho profissional (associações, conselhos profissionais etc) e que contam com uma Administradora de Benefícios que, em tese, deve representar os interesses da contratante em face da Operadora de Plano de Saúde (OPS). Popularizaram-se nos últimos anos, porque as OPS não mais comercializam planos individuais.
Atualmente, a Agência Nacional de Saúde (ANS) aplica aos planos de saúde coletivos o mesmo regime dos planos coletivos empresariais, no que tange aos reajustes das mensalidades. Ou seja, para a ANS, os reajustes dos planos coletivos por adesão devem seguir as normas contratuais supostamente pactuadas livremente entre os contratantes, não havendo um limite para o percentual aplicado, tal qual ocorre com os planos de saúde individuais ou familiares. Para a ANS, a única obrigação da OPS, neste caso, é comunicar à Agência, no prazo de trinta dias, qual foi o índice de reajuste aplicado.
Estes reajustes podem ser de dois tipos: anuais por variação de custos e por faixa etária.
Ao negar-se a regulamentar os reajustes dos planos coletivos por adesão, a ANS, no nosso sentir, omite-se ilegalmente no seu dever regulatório, em afronta ao art. 4º, XVII, da Lei 9.961/2000, que assim dispõe:
Art. 4º Compete à ANS:
(…)
XVII – autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados de assistência à saúde, ouvido o Ministério da Fazenda.
A Lei não indica que os reajustes somente devem ser autorizados para os planos familiares, antes, refere-se a todos os planos privados, dentre os quais se encontram os planos coletivos por adesão.
Além desta questão, é de se verificar que as associações de classe que possibilitam a celebração de contratos de planos de saúde aos seus associados não tem a força contratual necessária para discussão das cláusulas com as Operadoras de Saúde, tal qual não a possuem também os consumidores individuais que possuem planos de saúde individual. Desconhece-se também o papel efetivo das Administradoras de Benefícios nestas revisões, integrando elas corriqueiramente o pólo passivo das demandas judiciais.
O desequilíbrio contratual, portanto, é o mesmo que ocorre nos planos individuais. Tanto o é, que a própria Lei 9.665-98, em seu artigo 35-G, prevê que as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) se aplicam aos planos coletivos.
Dito isto, é certo que os reajustes anuais aplicados pelas OPS aos contratos coletivos por adesão devem observar os princípios insculpidos no art. 4 do CDC, em especial a vulnerabilidade e a proteção dos interesses econômicos dos consumidores, a harmonização dos interesses dos partícipes da relação consumerista e a transparência nas relações.
Também oponível às OPS o dever de informação clara e adequada, insculpido no art. 6º, III, do CDC. Ora, é praxe das OPS e das Administradoras de Benefícios enviarem uma carta simples aos consumidores informando qual o percentual de reajuste aplicado, mas sem detalhar a formação destes índices, não dando conhecimento ao consumidor dos parâmetros e racionais do aumento.
O consumidor tem o direito de saber quais os custos sofreram elevação e em qual percentual, devendo ser possibilitada a sua participação ativa na fixação do reajuste, pois é vedada pelo art. 51 do CDC a variação unilateral dos preços.
Por fim, é também direito dos consumidores obter a modificação das cláusulas contratuais que estabelecem obrigações desproporcionais aos consumidores, conforme art. 6º, V, do CDC. Com isso, se em virtude de um reajuste excessivo o consumidor perde capacidade financeira para manter o contrato, é seu direito discutir o aumento imposto, para que seja reduzido a um patamar equilibrado entre as partes, ou seja, que possibilite a manutenção do contrato sem impor prejuízo ao fornecedor.
Em conclusão, o reajuste anual dos planos de saúde coletivos por adesão, quando abusivos, deve ser revisado pelo Poder Judiciário, seja pela omissão ilegal da ANS nesta questão, seja pela aplicação das normas e princípios do Código de Defesa do Consumidor, implicando, inclusive, a devolução dos valores pagos a maior pelo consumidor nos últimos três anos.
[1] Ver, por exemplo, o Acórdão proferido no julgamento do Recurso Inominado n. 0085683-31.2016.8.05.0001.
Laís da Costa Tourinho
Advogada. Sócia no Camardelli e Da Costa Tourinho Advogados
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