RESPONSABILIDADE SOCIAL DA HOTELARIA X TRANSFERÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO
Há pouco tempo produzimos a “Coletânea de Legislação Hoteleira”, na qual reunimos as principais normas jurídicas vigentes e proposições (projetos de lei) no País, em todo o território nacional e em alguns Estados específicos, relacionadas diretamente com a atividade hoteleira, no intuito de auxiliar todos os envolvidos neste mercado a conhecerem suas obrigações e direitos.
No curso deste trabalho, chamou-nos a atenção a quantidade, a nosso ver, elevada, de normas que impõem obrigações, digamos, de cunho social aos hoteleiros. São regras, bem intencionadas, por certo, que visam combater preconceitos, integrar minorias, beneficiar consumidores em geral. Citamos, como exemplos, a obrigatoriedade de fornecimento de fichas e demais documentos em sistema braile (Leis 4.831/2006, do Rio de Janeiro e 12.363/97, de São Paulo), a obrigatoriedade de fornecimento de preservativos gratuitos e folhetos explicativos sobre o HIV (Lei 9.201/2004, da Bahia e Projeto de Lei 1272/2011) ou, ainda, a obrigatoriedade de conceder descontos nas hospedagens para idosos e deficientes (Projeto de Lei 4015/2004).
Não questionamos aqui o mérito destas normas e, muito menos, suas intenções. Trazemos, contudo, a reflexão sobre a legitimidade de transferir ao empresariado hoteleiro tais obrigações, que não são atendidas nem mesmo pelo próprio Poder Público. Infelizmente, no Brasil, o Estado não garante nem mesmo o mínimo para subsistência digna do cidadão, o que, segundo a Constituição Federal, engloba o direito à moradia, educação, saúde, lazer, segurança, transporte, alimentação e trabalho. Assim, pergunta-se, pode este mesmo Poder Público impor aos particulares obrigações que, previamente, deveriam ser por ele, Estado, cumpridas?
Alguém conhece um órgão público que forneça seus documentos, cartazes e outros dizeres informativos em braile? Sem dúvida o meio de hospedagem que o fizer estará atendendo à sua responsabilidade social e implementando um serviço diferencial, mas, é justo tal constituir-se em obrigação legal? Entendemos que não.
Por outro lado, percebemos também que a muitas das normas deste jaez não trazem a imposição de qualquer penalidade pelo seu descumprimento. São normas sem sanção, ou seja, sem consequência legal pelo seu descumprimento. Deste modo, são normas realmente eficazes? Cumprem, de fato, o objetivo para o qual foram editadas? Novamente, entendemos que não.
A realidade, destarte, é que o Estado brasileiro, sem conseguir prover seu cidadão do mínimo existencial, tal qual é sua obrigação constitucional, transfere aleatoriamente deveres ao particular, no caso os empreendedores hoteleiros, sem nem ao menos avaliar se a medida será realmente eficaz e trará benefícios justificáveis aos usuários dos serviços de hospedagem. Verdadeiro furor legislativo!
Os empresários, já tão sufocados por diversas obrigações legais (fiscais, trabalhistas e cíveis-consumeristas), sem qualquer contrapartida, haja vista a situação lamentável do turismo no país (recentemente, a Embratur aponta que Argentina e Colômbia estão prestes a ultrapassarem o Brasil em número de visitantes), se vêm ainda em meio a diversas outras normas que deveriam cumprir, ainda que isto lhes imponha um custo desproporcional.
Por fim, alertamos que tais normas, quando necessário, podem ser questionadas judicialmente, em atenção, inclusive, aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Laís da Costa Tourinho
Advogada. Sócia no Camardelli e Da Costa Tourinho Advogados, com atuação específica em Direito Hoteleiro.
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